quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Lobo mal, bicho papão, Papai Noel e Casamento Gay

 Alinhando política e interesse pessoal, começo:
“Em relação ao casamento, o casamento é uma instituição de sexos diferentes. Uma instituição pensada há milhares de anos. Não tenho uma posição favorável (ao casamento entre pessoas do mesmo sexo).”   
- Marina Silva, candidata a presidência da república 2010 quando questionada sobre o casamento  entre pessoas do mesmo sexo (http://bit.ly/aldsxX - 58")
Aplicando uma lógica simples, "Não ter posição favorável" implica em: 
1. Não ter posição alguma ou; 

2. Ter posição contrária;

Como ela mesma sabe, este tema arranha a candidatura dela (dela e de todos os outros) e por isso ela age com diplomacia: não toma lados. Mas é óbvio que ela é contra. Mesmo por que ser candidato a presidente da República com posicionamento neutro é amadorismo. 

Agora, ser (pessoalmente) contra o casamento gay não significa muita coisa. Tome como exemplo Aníbal António Cavaco Silva, o presidente de Portugual em exercício, que também é pessoalmente contra o casamento gay. Isso não influenciou a promulgação da lei, por ele, aprovada pelas duas casas. Ele assinou a lei mês passado (mesmo com uma visita cínica do Papa àquela nação). 
O "x" da questão é: se o PV levar a presidência ele com certeza não levará o Senado e a Câmara e os maiores partidos brasileiros (PT, PSDB, etc..) são a favor de uma lei de igualdades (embora evitem chamar de casamento).

Minha crítica é: fazer plebiscito para decidir direito de minoria? Para alguns tópicos o uso de plebiscito só valida a discriminação. 

Por hora, não existe UM argumento geral plausível para proibição do casamento gay - o que existem são convicções pessoais e religiosas. E se considerarmos que o estado é laico, voilá, sobram as convicções pessoais.
Neste caso, sendo eu ateu e agnóstico, acho que a opinião do meu vizinho (a sua, dos meus pais ou de quem quer que seja) a respeito do meu casamento, seja ela contra ou a favor, não tem qualquer conexão racional válida.
Na minha opinião, a não-oficialização (aprovação, legalização) de assuntos deste tipo só faz com que o estado corrobore, por omissão, frases como: "se fosse bom, não seria proibido." E é usando está máxima que alguns vão ainda além: impõe ordem e moral, muitas vezes de forma violenta, e ainda validam suas ações pela omissão do estado.

A questão do aborto no Brasil, por exemplo, é um tópico que geralmente começa e termina na religião. Começa e termina ERRADO. 
Eu sou contra a discriminalização do aborto. E por um simples motivo: educação.
A péssima educação sexual no Brasil e a discriminalização só fariam com que mais uma indústria surgisse para tirar proveito de um déficit público.
Falo isso por que o aborto foi legalizado na Holanda há mais de 30 anos e adivinhe só?
O site do governo holandês fala que a Holanda possui um baixo índice de aborto se comparado com outros países - e no próprio site já existe a medida a ser tomada para conter o número que começou a crescer: "Campaigns to prevent unwanted pregnancies target specifically teenage girls from ethnic communities."
É simples. Só que o Brasil não é a Holanda, e por isso que não se pode autorizar tal medida sem que antes haja uma educação da população a respeito do tema. 

Concordo que o plebicscito levantaria inúmeras questões e iluminaria a ignorância de muita gente - isso é um fato. Porém, acho ingênuo pensar que teríamos uma mesa com árbitros para um debate claro e justo e que, no final, teríamos todas as questões respondaidas. 

Aliás, algumas cortes, como a da Costa Rica, já declararam esta idéia inconstitucional. Aliás, não precisa pensar muito para se concluir que colocar na urna para a maioria decidir o direito de minorias é praticamente uma piada.
O que aconteceria, neste caso e quase sempre, seria como já acontece nos EUA hoje: seria um quinquilhão de dinheiro doado a entidades (como a NOM - National Organization for Marriage), a maioria com rabo preso a entidades religiosas (questão do estado laico entre em voga novamente) que não só prega que casamento é união de homem e mulher mas também usa mentiras e edição de vídeo barata para que todos TEMAM a união do mesmo sexo. Com direito a propaganda de TV e campanhas web.

Daí para frente a coisa sairia de linha: será uma arena de gladiadores - e quem tiver mais dinheiro, ganha, por que ganhará o público (através dos mais variados veículos de comunicação). Ou seja, perde totalmente o sentido: por que tornar uma decisão de igualdade de direitos em uma decisão que virará exclusivamente comercial?.
Os grupos de direitos humanos e ONG's brasileiras não são tão organizados e nem ricos como a Igreja Católica (ou Testemunhas de Jeová, que financiou a campanha contra o casamento gay na Califórnia) e, no final, os primeiros seriam lavados para fora da disputa com uma enxurrada de publicidade e táticas mesquinhas para manipular a massa (afinal, é a população quem vai decidir, não é mesmo?).

Esta tão temida união entre pessoas do mesmo sexo já existe, na prática, há muito tempo. A minha mesmo já tem quase 3 anos - o que se pede é o mesmo DIREITO matrimonial que muitos casais heteros possuem. 
O casamento que se pede como direito não é aquele da novela das 8h, com véu e grinalda, na melhor paróquia da cidade. Não há interesse de se casar na igreja (e ela nem admitiria). O que se pede é o reconhecimento da união perante o ESTADO. 
Nossa querida presidenciável Marina disse: “Entendo casamento como um sacramento”

Eu tenho poucas expectativas que o casamento gay seja uma realidade no Brasil tão cedo - afinal, somos felizes e contentes sendo uma nação majoritariamente machista em que as mulheres só começaram a usufruir da liberdade política há menos de 1 século.

Passado este fardo, algumas pessoas  até concordam que dois homens (ou duas mulheres) podem se casar (civilmente, vale ressaltar) e isto não vai fazer com o que o teto caia. Mas são precavidos, e soltam: mas adoção,  NUNCA.

Existe pelo menos uma pesquisa que já estudou este assunto há quase 10 anos. 

Se você não tiver paciência para ler tudo, uma parte diz (pagina 3, paragrafo 2º, tradução livre):

"Este grupo de pesquisa, quase uniformemente, relata que não encontra nenhuma diferença notável entre crianças criadas por pais heterossexuais e aquelas criadas por casais homossexuais, e que há evidências que pais homossexuais possuem tanta competência e efetividade quanto pais heterossexuais.” 
Mas o artigo mostra algumas diferenças e algumas delas está, naturalmente, relacionada a liberdade da expressão sexual e normas sociais a respeito da sexualidade e expressão de gênero. 

Se você tiver o trabalho de ler e interpretar todo o artigo, a pesquisa mostra que, pelo contrário: filhos de casais homossexuais tendem a ser mais liberais em determinados assuntos que tangenciam tabus da sexualidade e são menos atrelados a normas e padrões sociais, como a tradição de ocupação de cargos de acordo com o gênero. 

Enfim, o artigo é extenso e esclarece muitas dúvidas que pairam pela cabeça de muita gente que nunca parou para avaliar o tema. Vale uma lida (somente em ingles, infelizmente).

Costuma pensar que o como o lobo mal, o bicho papão e o Papai Noel, 99% do que você acredita sobre o assunto não passa de uma obra de ficção. 
No começo, é dificil acreditar que Papai Noel não existe - afinal, você sempre recebeu seu presente após ser um bom menino(a) - mas depois que a verdade vem a tona, sua vida ficou indiferente, não ficou? Então...